Se a intenção de Bolsonaro era descansar e desfocar o recente desempenho sexual, teria sido melhor se manter acordado. Fora apenas duas horas de sono, quase todas preenchidas por pesadelos. Dormiu de costas para a esposa, sem lhe dirigir qualquer palavra antes de apagar. Sem demora, acordou no sonho, ainda deitado na cama. Sabia que ela ainda estava ao seu lado, mas não tinha coragem de encará-la, mesmo na escuridão do quarto. No cérebro adormecido, os motivos ainda estavam imprecisos, mas a sensação de fracasso estava preservada, como se fosse inerente à sua existência.
Levantou-se com cautela e deu três passos cambaleantes que pareceram dez. A curiosidade prevaleceu sobre o medo e, de esguelha, olhou por cima do ombro e viu sobre a cama a figura distante com a coberta cobrindo a cabeça e os pés para fora até os tornozelos.
Quando voltou a olhar para frente, encontrou-se dentro do closet, cercado de camisetas pretas e com um terno completo pendurado na sua frente. Era assim que Michelle gostava de vê-lo e, sem pensar duas vezes, vestiu o traje todo, incluindo a com desenhos de fuzis, amarrada em tempo recorde.
Ao se virar, já estava a um passo da beirada da cama. Deitou-se antes de se lembrar de tirar os sapatos. Também não se lembrava de tê-los colocado. A um corpo de distância, Michelle estava estirada sem nenhum sinal de vida, como um cadáver esquecido que a natureza tratou de encobrir. Não esboçou nenhuma reação mesmo após Bolsonaro puxar e jogar a coberta para fora da cama.
Com os olhos ainda pouco adaptados à escuridão, percebeu que ela estava vestida com um tecido grosso, cobrindo quase o corpo inteiro como se fosse um roupão. Por um instante, hesitou em tocá-la, ainda inseguro de suas capacidades em satisfazê-la. Mulheres guardam para si o segredo de como fazê-las gozar. Se Jair não conseguia, em grande medida era por culpa delas.
O prazer dele tinha pouca dependência das vontades dela.
Só precisava sentir a textura da pele e a maciez da carne. Contanto que não estivesse fria, sua completa ausência de movimentos não o incomodava. Começava a se sentir excitado, ganhando mais confiança. O primeiro toque foi no bumbum e na coxa. Não houve reação. Em seguida, seus dedos desceram pelo meio das costas da gola até a cintura, onde sentiu uma faixa bem apertada ao redor dela. Puxou-a com força, como se arrastasse uma mala para um ano de viagem.
Ela despertou com um salto. Uma arremetida precisa de um animal noturno e faminto. Rolou de lado na cama e logo estava por cima, de joelhos, com o corpo dele entre as pernas. Pegou-o por dentro com mãos embrutecidas que se agarraram à lapela do terno. Ela o trouxe para mais perto com um empuxo para cima. Ele sentiu seu pescoço chacoalhar, estranhando a força da esposa. A visão opaca nada podia revelar de sua expressão.
Estaria tomada por intenso desejo ou intensa raiva?
Em seguida, Michelle o empurrou, jogando seu peso para frente. Foi como se as costas de Jair fossem ao encontro do chão. No susto ou na dor, percebeu haver algo errado. Tentou se desvencilhar, mas teve um dos braços pregados ao colchão pelo peso do joelho dela; o outro estava imobilizado e pressionado contra o próprio peito e a garganta. Sem entender nada, foi tomado pelo desespero. Batia as pernas em ritmo de afogamento, como duas baquetas na caixa de uma bateria. Da cintura para cima, não conseguia movimentar nem mesmo as cordas vocais.
Se era um pesadelo, queria acordar. Era a hora de acordar! Estava com tanto medo! Oh, Deus, me tire daqui! Seu corpo cada vez mais pressionado contra o colchão, o medo escalando até se converter em pavor. Da boca não saía grito nenhum e nem mesmo o ar que sentia estar em falta. Parou de se debater quando o medo alcançou a escala de horror sobre-humano, paralisante, tão logo percebeu que aquela pessoa não era Michelle.
- Quem é você? - pronunciada com a força de um grito, a pergunta saiu como um murmúrio plangente.
- Ora, Unicórnio, foi tão fácil te imobilizar. Quem mais poderia ser?
Teve certeza de que estava derrotado quando uma luz nasceu e morreu como um flash de câmera, iluminando o esgar da figura hedionda. Deixou um registro-resgate marcado no presidente, antes que ele fosse capaz de se atirar para fora do pesadelo.